quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Realizado para a disciplina de Técnicas de Expressão Escrita, a intenção era dar um aspecto de lentidão a todo o texto.


14 de Novembro de 2010. 5 horas e 17 minutos. Quase cai a noite aqui, em São Martinho do Porto. O inverno permite-lhe um encanto diferente. A baía está quase deserta, devido à intensidade do frio. Os últimos raios de sol começam, finalmente, a retirar-se. A areia pisada e repisada pelas pessoas começa agora a desvanecer-se pelo vento que se levanta e a leva. E só ouço o som do mar, e cheiro a maresia que quase me fazem entrar em estado de transe.


Acompanhando a linha do mar, vejo um casal de resistentes contra o frio. Um casal de velhos que passeia de mãos dadas. Sob o lusco-fusco, que faz tudo parecer mais bonito e ainda mais romântico, transparecem a maior cumplicidade do mundo. As rugas cravadas na pele já são bastantes, mas ele parece não se importar, e olha-a de uma forma bastante enternecedora, como se fosse a mulher mais bonita do mundo. Ele beija-a na mão e, depois, na testa. Ela dá-lhe um carinhoso e leve beijo nos lábios, enrugados e secos. Abraçam-se. E invejo-os. Só consigo pensar que os invejo como nunca invejei vivalma. O prazer de envelhecer ao lado de alguém, e continuar com a ternura do primeiro dia. E continuo a olhá-los enquanto se afastam, caminhando para fora da praia, sempre de mãos dadas. E não desvio o olhar, até que os perco de vista.

Entretanto, escurece e fico completamente sozinha na praia. Ao longe, vejo as luzes dos candeeiros de rua reflectidas na água gelada do mar. Silêncio. O silêncio que ultimamente tanto me fez e faz companhia, e que eu tanto, agora, aprecio. Sinto um arrepio que me percorre todo o corpo. Ajeito o casaco de forma a não deixar entrar o frio. Vislumbro o gorro e as luvas, cinzentas, na mala e coloco-os. Sinto-me mais quente, por fora, se bem que por dentro não sinta qualquer tipo de temperatura ou sentimento ou emoção.

Decido caminhar pela praia, longos passeios pela praia sempre foram uma óptima terapia, a meu ver. Procuro, durante largos minutos, o iPod, na mala. Acabo por encontrá-lo entre o pequeno espelho e os cigarros. Escolho rigorosamente a música, percorrendo a minha selecção de bandas e aspirantes a banda, procurando atentamente a banda sonora certa para este momento. Acho Bang Gang e carrego no play. Começa a etérea canção e sinto a melancolia a abraçar-me. Um sentimento. Finalmente. Finalmente sinto qualquer coisa. E agora medo, sinto medo, pois basta um simples sentimento para despoletar as milhentas emoções e sentimentos que tenho guardado em mim e reprimido a tanto custo. Tudo o que quis esconder pode agora emergir à superfície. E não há ninguém perto para me confortar. Mas será que quero? Não. É uma dor privada, solitária, não quero partilhá-la com ninguém. Quero que só a mim ela pertença. Quero ser egoísta e guardá-la toda comigo. Ninguém tem o direito de, sequer, a vislumbrar. E muito menos de virem com penas de mim, tudo menos penas.

Sinto o telemóvel no bolso, é a minha mãe a ligar-me. Desligo o iPod, tiro os phones e guardo tudo, desajeitadamente, na mala. Atendo o telefone. Passados alguns minutos desligo e esqueço a falsa preocupação maternal. Vejo as horas, ainda é cedo. Volto aos meus pensamentos e emaranho-me, de novo, naquilo que se vai tornar num misto de sentimentos e emoções. Continuo a caminhada.

À medida que vou andando pela praia vão-me passando recordações pela memória. Tantas, tão boas, tão quentes. Pego na carteira, vou aquele compartimento que só eu conheço, e tiro uma fotografia. Costumava adorar fotografias, mas agora penso que não passam de mais um mero objecto entre tantos outros sem utilidade. De que adiantam? São apenas um portal de teletransporte para uma dor constante, agonizante e impossível de suportar que, provavelmente, nunca vai chegar a desaparecer do mais ínfimo de mim. E olho-a. Olho-a como nunca olhei nada nem ninguém, inspecciono todos os pormenores, com toda atenção do mundo, para não perder o mais pequeno significado que ela já teve e que agora, mais do que nunca, tem. É engraçado, ou talvez não, como só percebemos o significado das coisas e das pessoas depois de as termos perdido e elas não mais poderem voltar atrás. Aliás, diria que é sobretudo ridículo. Sendo tal frase um conhecido cliché, a humanidade devia já estar minimamente preparada e atenta para reconhecer aquilo que realmente quer e vale a pena. Mas nunca é assim. Talvez não passemos só de uns quantos seres ignorantes por este mundo fora, ou talvez sejamos apenas a raça mais desatenta alguma vez criada.

Continuo a olhar a fotografia que, eventualmente, me transporta para uma realidade já ultrapassada. E percebo que já não consigo aguentar mais. Olho em meu redor, a tentar perceber se se encontra mais alguém aqui, mas não há ninguém. Ninguém para me ver, ninguém para me confortar, ninguém para me interromper. Então choro, as lágrimas começam a correr compulsivamente, enquanto me continuo a lembrar de ti e de tudo. E sinto mágoa, sinto angústia, sinto desconsolo, sinto a morte. Sinto a tua morte, sinto-a bem perto de mim. Só não te sinto a ti, que era o que mais queria.

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